"não pertenço a nenhum partido, não pertenço a nenhum grupo, inclusive a nenhum grupo de intelectuais, não respondo a nenhum credo, não participo de qualquer militância, não sou militante de coisa alguma, apenas de ideias". Milton Santos

01/08/2011

Josué de Castro mais que atual

Nos 100 anos do nascimento de Josué de Castro, comemorados em 5 de setembro, confirma-se sua atualidade.
Em discurso sem data precisa (entre 1952 e 1956, após a Segunda Guerra Mundial) e local onde foi proferido, segundo Anna Maria de Castro, disse Josué de Castro: “Há dois caminhos à nossa frente: o caminho do pão e o caminho da bomba. É preciso escolher rápido. Eu quero simbolizar pelo caminho do pão, este da justiça social, para dar pão a todas as pessoas do mundo, evocando o banquete da Terra para os dois terços que estão à margem, que não recebem senão em alguns intervalos algumas migalhas das mesas dos ricos. É preciso que nosso mundo nos integre verdadeiramente. Eu acredito que já é passado o tempo em que as pessoas pobres podiam se conformar segundo a frase das Escrituras: ‘Aos pobres é reservado o reino dos céus’. Agora, devemos pensar que aos pobres deve também ser reservado o reino da Terra, pois a Terra é para todos os homens e não só para um grupo de privilegiados. E se não trabalharmos por toda parte com energia, para nos desviarmos do caminho da bomba, seremos uma vez mais expulsos da Terra, perderemos não apenas o reino dos céus, mas também o reino da Terra. (Josué de Castro e o Brasil, Ed. Fundação Perseu Abramo, pp.124-125, 2003). “Não se chegará jamais à paz com um mundo dividido entre a abundância e a miséria, o luxo e a pobreza, o desperdício e a fome. É preciso acabar com essa desigualdade social” (Op. cit., pp. 121-122).
Meio século depois, terceiro milênio, século XXI, a humanidade não escolheu o caminho do pão, embora sua urgência. É preciso escolher rápido, dizia Josué de Castro. As bombas, o terrorismo, a dominação pelas armas, o armamentismo, as guerras injustificadas estão aí, presentes, todos os dias, inclusive no Brasil, onde a violência, a das grandes metrópoles, a dos assassinatos no campo, do morticínio de jovens, está na estatística e nas manchetes diárias.
O Reino da Terra, simbolizado no caminho do pão, isto é, “da justiça social, para dar pão a todas as pessoas do mundo”, não chegou aos pobres e miseráveis. Chegou, sim, o caminho da falta de pão, da exclusão social, junto com a concentração de renda e a crescente distância entre pessoas, povos e nações.
Em entrevista na Conferência de Estocolmo, 1972, Josué de Castro fala do meio ambiente. (A Conferência, segundo ele, foi a reunião de Estados soberanos e poluidores): “A poluição é uma doença universal que interessa a toda humanidade, mas existem tipos de poluição diferentes no mundo inteiro. Os países ricos conhecem a poluição direta, física, material, a do ambiente natural. Os países subdesenvolvidos são presas da fome, da miséria, das doenças de massa, do analfabetismo. O homem do Terceiro Mundo conhece essa forma de poluição chamada “subdesenvolvimento”. (...) Os países subdesenvolvidos vivem numa economia de dependência. Todos eles são produtores de matérias-primas e de produtos básicos exportados para os países industrializados. Os Estados Unidos consomem 75% de toda a produção do continente latino-americano. (...) A riqueza dos trabalhadores norte-americanos só existe graças à exploração dos trabalhadores e camponeses em via de desenvolvimento, graças às condições miseráveis e desumanas em que estes são mantidos. (...) O desenvolvimento traz consigo, de um lado, suas riquezas, suas novas fabricações e, de outro, seus dejetos. O Terceiro Mundo está no lado dos dejetos. (...) (Os países subdesenvolvidos) estão preocupados porque o subdesenvolvimento que sofrem é a secreção de um tipo de desenvolvimento concebido sem respeito pela natureza e no qual o homem não passa de instrumento da produção.” (Entrevista de Josué de Castro à equipe Mundo Unido em junho de 1972, in: Josué de Castro e o Brasil, Ed. Fundação Perseu Abramo, pp. 153-154, 2003).
Josué de Castro parece estar a falar e escrever em 2008. Os temas de 1972 são praticamente os mesmos de hoje: o Terceiro Mundo com um bilhão de pessoas passando fome ou sofrendo de desnutrição; a OMC (Organização Mundial do Comércio) comandada pelos países industrializados, querendo impor, e impondo, suas regras comerciais, especialmente na produção e comercialização de alimentos e produtos agrícolas; os EUA querendo integrar os países americanos através da ALCA para proteger seus interesses econômicos; a distribuição de renda e riqueza hoje ainda mais desigual e injusta que então; e o neoliberalismo, a novidade das últimas décadas, exacerbando o mercado como absoluto e o consumismo (Dizia Josué na entrevista referida: “Nos Estados Unidos, podemos ler à entrada de um supermercado: ‘Se você não sabe o que quer, nós o temos’); a dominação dos países ricos, desenvolvidos, sobre os países pobres, subdesenvolvidos, ou como se diz hoje, em desenvolvimento, ou emergentes.
Com a queda do muro de Berlim, a partir dos anos noventa, uma única visão de mundo e de economia tornou-se hegemônica, como em nenhuma outra época da história. E prega que o lucro está acima de tudo, não importando a devastação da natureza e do planeta, prega que o mercado e o consumo são o motor de tudo, sem olhar o homem e a mulher, as relações sociais, o bem-estar espiritual, a cultura de povos e populações. Assim, a fome torna-se um subproduto inevitável, indesejável talvez até para os ricos, para a qual, porém, não há solução nem remédio na lógica do sistema.
Por isso, está mais que nunca colocada a proposta e a exigência da construção de um ‘outro mundo possível’, com um projeto de desenvolvimento democrático-popular, que questione as bases do sistema capitalista, proponha a inclusão social, a participação popular e a democracia. São necessárias, sem dúvida, medidas e soluções ao mesmo tempo emergenciais, para enfrentar o problema imediato da fome, quanto principalmente estruturais, que ponham em xeque os fundamentos do modelo de sociedade e implementem um outro projeto de desenvolvimento, ‘sustentável com justiça social’. Pois, como pensava Josué de Castro, “o subdesenvolvimento é um subproduto do desenvolvimento; (...) e o subdesenvolvimento não é conseqüência de uma diferença na rapidez do desenvolvimento entre o país desenvolvido e o subdesenvolvido, mas de uma distorção realizada no país, hoje subdesenvolvido, pelo sistema colonial. O país que submete um outro ao seu domínio procura dirigir-lhe a economia tendo em vista atender aos interesses do país dominante, impedindo que o dominado se volte para o atendimento das necessidades de sua população” (Op. cit., pp. 76 e 80). Um projeto de desenvolvimento democrático-popular supõe e pressupõe autonomia, soberania, produção, comercialização e abastecimento antes de tudo voltados para o mercado interno, domínio tecnológico, atendimento das necessidades e interesses da maioria da população.
Tomar a decisão de acabar com a fome, a miséria e a exclusão social como questão de governo e até de Estado não é, pois, apenas questão de propor e implementar políticas sociais públicas, mas sim questão de mudar o modelo econômico, social, cultural que produz a fome. E não apenas no Brasil, mas no mundo. Por isso o esforço do governo Lula ao propor e implementar o Fome Zero e um conjunto de políticas sociais construtoras da cidadania e de melhor distribuição de renda, uma política econômica voltado ao mercado interno de uma nação soberana, assim como o fortalecimento da UNASUL, o MERCOSUL, a criação do G-20, como pólos formuladores e articuladores de um contraponto ao hegemonismo dos países ricos.
É preciso matar a fome de pão quanto saciar a de beleza, como costuma dizer Frei Betto. Se isso já era verdade e era dito por Josué de Castro há mais de meio século, mais se faz necessário e urgente hoje no mundo globalizado.
Josué de Castro vive, em suas análises, idéias e em seu sonho. Josué de Castro vive em nós que repercutimos suas análises, cultivamos suas idéias e acalentamos seu sonho: acabar com a fome no Brasil e no mundo.
Não se resolveram ainda alguns dos problemas básicos da humanidade. Josué de Castro, profeta do seu tempo, continua sendo-o do nosso.


SELVINO HECK
Assessor Especial do Presidente da República 

05/07/2011

ENTREVISTA DE GILBERTO GIL COM MILTON SANTOS

Um encontro: Gilberto Gil e o Professor Milton Santos

Gilberto Gil

Gilberto Gil - Professor Milton, eu não preparei nenhum roteiro especial, até porque não me sinto capaz de especular sobre a sua área de conhecimento e trabalho, mas como tenho interesse em que seu pensamento, suas idéias estejam divulgadas no nosso site, eu ainda assim quis conversar consigo e saber algumas coisas. Gostaria primeiro que o senhor nos desse uma idéia da sua formação, o início, os primeiros tempos na Bahia, como intelectual e em sua disciplina universitária.

Milton Santos - Eu estudei Direito e já estudante de direito ensinava geografia, que descobri ser realmente o meu grande interesse. Foi isso que me levou a fazer um doutorado em geografia na Universidade de Estrasburgo, na França, e daí por diante comecei uma carreira de pesquisa, na Bahia mas também em outros países, que me conduziu a diversas aventuras intelectuais que se ampliaram a partir de 1964, por razões conhecidas, quando eu tive que deixar o Brasil. Creio que minha carreira começa com estudos empíricos, isto é, tentar descrever simplesmente o que era a realidade territoral e social aqui e alí, na Bahia sobretudo, mas também no Brasil e fora do Brasil. Depois, passei a ter um interesse mais teórico, mais epistemológico. Isso coincide com a minha distância do Brasil, quando o objeto concreto de trabalho não estava presente, a possibilidade de informação reduzida. Há dois abrigos para os homens, um é a terra e o outro o infinito. Então eu me abriguei nessa área mais de pensar o mundo, de pensar os lugares, e tentar uma geografia mais abrangente, mais uma metageografia do que mesmo geografia.

GG - Essa contextualização nova do interesse geográfico lhe ocorreu a partir de Estrasburgo, ou já da Bahia, ou possivelmente no professorado aqui no Brasil?

MS - A Bahia é sempre o centro, mas eu creio que essa ruptura ocorre a partir do fim dos anos 70. Até os anos 70 eu estava na França. Não era minha terra mas era um pouco minha terra. Depois eu tive que trabalhar nos Estados Unidos, no Canadá, na Tanzânia, na América Latina. É uma forma de desagregação e a vontade de evitar a desagregação, essa retomada da unidade do homem, é que me jogou, no caminho da filosofia, junto à minha ignorância crescente do Brasil. Acho que foi sobretudo isso.

GG - Nesse percurso, nesses lugares que o senhor mencionou, França, Estados Unidos, Tanzânia, Brasil, incluindo Bahia e São Paulo, o senhor esteve nesses lugares sempre na situação de aprendiz e mestre, professor e estudioso? Aonde o senhor esteve como professor, aonde o senhor esteve estudando?

MS - Eu estive como estudante somente em Estrasburgo, nos anos 50. A partir de 64, na França, sempre como professor, que passou a ser a minha atividade central praticamente única.

GG - Nesse conjunto pensando sempre e escrevendo, e também professor?

MS - Ah sim, o tempo todo.

GG - Quantos livros?

MS - Creio que são uns 40. E uns 300 artigos científicos.

GG - Eu gostaria que o senhor me falasse um pouco de um conceito, que eu sei que está nos seus livros, eu não o li, mas o senhor mencionou numa palestra que fez na Câmara de Vereadores de Salvador, onde eu era vereador alguns anos atrás, que é o conceito de fase popular da história. De onde o senhor tirou isso? Porque estaríamos, segundo o seu sentimento, seu conhecimento, numa Fase Popular da História, o que quer dizer isso com relação a outras fases que a história humana tenha vivido?

MS - Eu creio que o homem ocidental se acostumou a pensar a história a partir de um processo, que é dito ás vezes revolucionário, mas que é linear, porque o homem ocidental pensa a história a partir da técnica, cujas grandes mudanças praticadas são sobretudo quantitativas, e só aparentemente qualitativas. É a quantidade de razão incluída nos objetos que permite ao homem o chamado progresso, uma outra visão do mundo, uma outra possibilidade de atacar a natureza e de, assim, produzir relações etc. Eu creio que nós estamos entrando em uma fase diferente, porque vai haver uma mudança qualitativa extremamente forte, onde tudo vai se submeter ao homem e não à técnica, ela própria comandada pela produção como tem sido até hoje. Bom, essa tese nova é de difícil aceitação, porque de um lado ela parece se chocar com a maneira de pensar que nos foi ensinada pelos europeus, diante dos quais nós temos tendência a ser muito reverentes, mas por outro lado essa nova tese resulta não apenas de uma vontade de esperança e de uma crença no futuro, mas de uma leitura diferente do fenômeno técnico, uma leitura mais filosófica do que pragmática. O fenômeno técnico é por definição também uma forma de produção da inteligência do homem...

GG - É como uma extensão da mente.

MS - Exato.

GG - Dos corpos e das mentes. Mecanismos e pensamentos...

MS - ...ligados á forma de viver que vai se modificando a partir das formas do fazer. Nesse sentido, creio que a urbanização e a urbanização acelerada, urbanização devastadora e, sobretudo no nosso país, a forma como as nossas cidades cresceram, assim como as africanas e também as asiáticas, são um estouro, criado a partir das novas tecnologias e cheio de consequências inesperadas. As novas tecnologias empurram o homem para as grandes cidades, porque o campo se moderniza ...

GG - Ele próprio se torna praticamente uma extensão da cidade.

MS - O campo se esvazia e, é a cidade que tem muitos e diversos empregos e o campo gravita em tôrno de uma ou algumas atividades, então ele expulsa as pessoas, que vêm então para a cidade. Vêm para a cidade para serem pobres. Alguns melhoram de vida, mas a grande massa permanece pobre, e este fenômeno de pobreza na cidade hoje esta também presente no hemisfério norte. Cada dia eu me convenço mais que os pobres são mais fortes do que nós da classe média e do que os ricos, porque os pobres é que tem a possibilidade de sentir e pensar. O nosso pensamento é enquadrado, primeiro pelo nosso interesse, mas também pela forma como nós instrumentalizamos tudo, até mesmo os nossos bairros, as nossas casas. Tudo isso é uma prisão para o pensamento. Ora e aí entra uma outra discussão filosófica, epistemológica: a necessidade que eu estou sentindo agora de recusar a epistemologia do iluminismo que nos ensinou a fraqueza dos pobres.

GG - O chamado conforto burguês.

MS - O grande conforto burguês, traz uma preguiça intelectual.

GG - É a renúncia a isso, renúncia a atividade pulsante da mente e do corpo no sentido mais rigoroso.

MS - Exato. E o conforto supõe pragmatismo, supõe um investimento cada vez maior em pragmatismo. Quem pensa o novo são os homens do povo e seus filósofos, que são os músicos, cantores, poetas, os grandes artistas e alguns intelectuais.

GG - O bardo.

MS - O bardo e alguns intelectuais, num mundo que está assassinando os intelectuais. É muito difícil ser intelectual hoje porque os intelectuais querem ser "establishment". Então eles perdem a possibilidade de interpretação do movimento, perdem a possibilidade de se casarem com o povo, e de se casarem com o futuro. Creio, porém, que apesar disso, apesar do peso da ciência, nós estamos nos encaminhando para uma outra era no mundo inteiro, em grande parte por causa das novas tecnologias. Um pequeno exemplo: não há nenhum milagre maior do que a forma como a cultura popular está tomando revanche sobre a cultura de massa. Há 20, 30 anos atrás, a gente se preocupava com a idéia de que a cultura de massa iria esmagar a cultura popular. Nada disso, estamos vendo...

GG - a cultura popular se apropriando das ferramentas possíveis...

MS - ...isso é objeto de uma entrevista sua que eu li recentemente.

GG - Sim, de vez em quando eu toco nesse assunto, porque é um tipo de pensamento, tipo de reflexão que me ocorre, não com rigor que o senhor tem e com a persistência, a perseverança.

MS - Eu sou pago para fazer isso. (risos)

GG - Também me interessa, e sem dúvida aqui e alí eu menciono esses arroubos de sentimentos. E quais seriam as consequências básicas que o senhor antevê, para essa fase, essa apropriação?

MS - Acho que vai haver uma grande mudança política, mas nós não temos noção dessa possibilidade, dessa enorme mudança política, por causa da violência da informação que é um traço característico do nosso tempo. A brutalidade com que a informação inventa mitos, impõe mitos e suprime o que a gente chamava antigamente de verdade, essa violência da informação e das finanças, criou uma certa idéia tão forte do mundo atual que a gente fica desanimado diante da possibilidade de um outro futuro. Mas se a gente se detem a pensar na maneira como o mundo está funcionando, na maneira como os pobres se apropriam da tecnologia... Os pobres e oprimidos estão fazendo, de uma maneira extraordinária, o uso das novas tecnologias, no seu trabalho e em seus assaltos, por exemplo, e estão encontrando e defendendo idéias aí pelo mundo afora e de que a gente fala pouco...

GG - As várias formas de pirataria. (risos)

MS - A cidade é o lugar ideal, porque é o lugar onde todo mundo se comunica. Em todo caso se comunica mais do que em outra parte. Esta presença dessas massas que se levantaram com uma força não conhecida em nenhuma outra fase da história, essa mobilidade, esse roçar cotidiano que constitui um debate diário dissimulado ou ostensivo ...

GG - Uma caixa de fósforos ali onde se risca -- faíscas a qualquer momento! (risos)

MS - E como manifestação que a gente não está ainda consciente... Mas eu creio que isso tudo vai ser canalizado, porque o horror não pode ser permanente, a barbárie que nós vivemos, o horror que nós vivemos não pode durar indefinidamente.

GG - O senhor sente indícios desses encaminhamentos? A perspectiva futura esta colocada claramente como o senhor diz, e os indícios? O senhor diz: a informação ainda encobre tudo, ainda afasta a visão mais clara desse brotar, dê exemplos, dois ou três indícios.

MS - Eu creio que um deles é a forma de solidariedade, muito numerosa entre os pobres, que nós não vemos porque a universidade se interessa pelo escândalo, que mesmo pelo fato. A universidade se tornou, também ela, subordinada à mídia e à moda, porque a carreira em grande parte é subalterna à moda. Como a universidade estimula o carrerismo, em vez de estimular a profundidade, a maior parte das pesquisas não é para as coisas desse gênero.

GG - O que está vindo. Para tentar manter o que já está.

MS - Ou diabolizar certas manifestações.

GG - No sentindo de neutralizá-las, como emergência.

MS - Eu creio também que há novas formas de produção econômica na cidade. Que 16 milhões de pessoas, em São Paulo, subsistem. Mas apenas se fala em estrupos, assaltos. Quero dizer que há uma produção econômica a partir da co-presença e da solidariedade entre os homens e há por outro lado formas de produção autônoma como creio que seja seu trabalho, como creio que sejam, em grande, esses 500 mil -- há 500 mil sujeitos que saem todo fim de semana de São Paulo! -- meio milhão de pessoas e que vão para bares e festinhas tudo isso são forma de organização econômica, produto da adaptação às novas condições. Quero dizer que tudo isso é um sub-produto da informação. A informação ela é controlada no topo, mas deixa escorregar outras formas que são aproveitadas pelo que se chama de periférico, mas que, na verdade, é a grande maioria da sociedade. O drama é que tudo isso vem com a morte da política, pois os partidos se recusam a ser políticos, e querem ser apenas eleitorais, mesmo os partidos de esquerda se recusam a discutir a sociedade a partir do que ela é.

GG - E quando o senhor diz a morte da política, por consequêcia a morte do Estado, que está submetido ao jogo político. O Estado é administrado, nutrido, gerido, é processado pela política. São os políticos que se elegem aos cargos de governo, são os presidentes eleitos que nomeiam os ministros, os deputados que legislam em função do que é proposto pelo executivo etc.. Esse grande organismo chamado Estado que esteve historicamente incubido de arbitrar e mesmo de administrar muito da vida social, estabelecer os fluxos, abrir os canais as possibilidades de interação entre os vários conjuntos sociais, produzir a distribuição da riqueza, produzir os elementos que vão dar suporte a produção, ao fazer humano no sentido social moderno. Esse tal Estado evidentemente com a morte da política também...

MS - Se enfraquece.

GG - Se enfraquece, desaparece.

MS - Passa a ser instrumento do mais forte com o neo-darwinismo social a que nós estamos assistindo agora. O processo atual de globalização agrava essa problemática. Essa globalização não vai durar. Primeiro, ela não é a única possível, segundo, não vai durar como está, porque como está é monstruosa, perversa. Não vai durar, porque não tem finalidade. Para que nós estamos globalizando, para aumentar a competividade? Para que serve isso? O mercado global, o que é isso? Quem já viu esse mercado global? É o cachorro correndo atrás do rabo. E há o que, quem trabalha com a técnica chama de disfunção da técnica. Todo o processo tecnológico produz suas disfunções e convida a um novo avanço, tanto na tecnologia como na organização. Então, no caso atual, está havendo todos os dias avanços na tecnologia.Na organização o que está havendo é o avanço do comando unificado porque se diminui o número de empresas e se fortalece o papel de organismos centrais, de finanças...

GG - De políticas econômicas, de políticas de produção...

MS - E como essas políticas são cada vez mais globais, por conseguinte cada vez mais verticais..

GG - Portanto não são mais políticas.

MS - Não são mais políticas e elas não estão se preocupando com quem vai ser objeto dela. E daí é uma das razões porque a gente acredita outra vez na coisa do tempo popular.

GG - Eu gostaria que o senhor insistisse aí: porque a palavra popular?

MS - Eu não quiz usar democrático porque é uma palavra que ...(risos)

GG - Já foi e está apropriada, já foi desapropriada. (risos)

MS - Popular porque, cada vez menos as coletividades são chamadas a ter a palavra. Não é possível! Porque a forma como a tecnologia é utilizada por grupos cada vez menos numerosos para buscar unicamente lucro ou mais valia, não tem finalidade. Qual a finalidade, de que uma grande empresa bancária quebre a outra? Hoje nós estamos no reino da "nonsense" total e global. As massas estão de alguma maneira contidas pela informação, elas também estão contidas pela produção abstrata das universidades. Não é que a gente não vá ver o povo, só que o pensamento não parte daí porque a nossa maneira de começar a pensar é inadequada. Acho que tudo depende de como começar a pensar. Mas voltando à questão, o fato é também que as classes médias no mundo inteiro começam a descobrir que não mandam nada. Isso pode ser importante.

GG - Definitivamente proletarizadas nesse sentido político, ainda que não no econômico ( também já começam a estar), mas no político sem dúvida alguma.

MS - Mesmo na Europa as classes médias estão perdendo poder...

GG - Até porque na Europa, eu acho que o que se chama de povo é todo da classe média, basicamente.

MS - Exatamente. Só que agora estão perdendo as vantagens sociais, perdendo o emprego.

GG - Portanto estão se tornando povo no sentido simples.

MS - Eu creio que essa cortina de fumaça extremamente densa que se estabeleceu pelo que estou chamando vilolência da informação, nesses últimos 30 anos, é que está chegando ao limite. Então há uma busca de outra coisa, uma busca que é confusa por enquanto. Eu acho o que a gente chama de povo tem uma enorme sensibilidade mas não pode ter o entendimento, porque o mundo é muito complexo.

GG - Professor, uma questão no meio. O senhor não acha que esse processo todo do sistema, enfim, as relações corporação para corporação, a troca dos interesses fechados, a alienação absoluta do que seja o interesse coletivo, a morte da política, a morte do Estado, etc., antes do desembocar nesse oceano da novidade, popular, da criação, do fôlego, da ânsia, do desejo da sobrevivência popular, através da criação de uma novidade qualquer, de um novo Estado, das novas instituições, o que quer que seja, o senhor não acha que antes disso tudo esse velho sistema, o "ancien regime", não vai passar pela fase da hipertrofia final, a fase hipertrofiada do sistema, como uma coisa do tipo "governo mundial", por exemplo?

MS - Há essa busca, e já está se dando, de alguma maneira, nas finanças.

GG - Nas finanças já existe, sem dúvida alguma. No campo mesmo das organizações, com o crescimento e fortalecimento dessas organizações do tipo ONU, até de outras; fundação de congressos internacionais, Parlamento Europeu, primeiro as configurações regionais, planetárias-regionais desse processo, e depois uma configuração final, realmente global através de um governo mundial, com congressos onde corporações nacionais econômicas e políticas tenham representações, nações com senados e câmeras constituídos globalmente, internacionalmente para gerir questões do tipo ecologia, problemas nas reservas ecológicas, que são de interesse internacional, problemas do tipo tráfico de drogas, que são problemas que não podem ser solucionados parcialmente por nenhuma nação e nem mesmo por pequenos conjuntos de Estados. O que o senhor acha disso?

MS - Na realidade, são duas tendências que vão terminar se chocando. De um lado esse governo das coisas que busca verticalizar tudo, como o Banco Internacional de Berna que disciplina o trabalho bancário no mundo inteiro, e, de outro lado, uma certa vontade de moralidade internacional que seria o apanágio do homem outra vez. A dificuldade é que nós ainda estamos confundindo direitos do Homem com direitoshumanos. Os direitos humanos estão indo bem, agora quanto aos direitos do Homem ainda estamos muito atrasados.

GG - Faça um pouco a distinção.

MS - Os direitos humanos estão ligados à espetacularização do sofrimento de algumas pessoas, bem colocadas para produzir o espetáculo, e aí há uma mobilização espetacular mas que não resolve o caso de cada indivíduo.

GG - Não chega lá.

MS - Mas uma coisa da nossa área que estive pensando recentemente: o número de estádios de futebol que se criaram no mundo nos últimos anos, isso junta ao número de enormes clubes ...

GG - Esses são o indícios nesse sentido contrário, no sentido da reação, como o organismo humano reage.

MS - Nessas casas de diversão paulistas, cariocas, etc., onde eu infelizmente não vou mais, há quantas pessoas? São milhares.

GG - Uma nova sinergia, uma massa crítica que está se formando. E nesse sentido, o paradoxo não se instala de novo de uma forma dramática para o sistema? Quanto mais verticalizado se torna o sistema mais horizontalidade ele promove potencialmente?

MS - A horizontalidade, aí é um outro problema para a epistemologia, porque nos ensinaram, e, nós continuamos ensinando, que nós pensamos com o cogito - "eu penso, eu existo". Não é nada disso. A verticalidade exacerba essa idéia do pensamento calculante, racional.

GG - O controle.

MS - E a emoção? E é isso que eu acho que está voltando, o poder da emoção que se dá no horizontal, porque são os homens que se encontram, é o mundo das surpresas, e surpresa é sinônimo de futuro. O problema é que a codificação dessa situação é difícil.

GG - Mas que havendo um vertical, o que seja, o que se manteve, ele vai ter que cair. (risos)

MS - Acho que já começa a cair, mas se restaura...

GG - Se restaura sempre na mesma altura ou ele vai perdendo? É como se essa mundialização gerida a partir desse sentido criptocrático dos pequenos grupos cada vez menores e cada vez mais poderosos, será que também eles não estão vivendo uma ilusão e que de fato o que está acontecendo seja o estender desse lençol horizontalizante da sociedade?

MS - Acho que a questão crucial é o trabalho, porque é pelo trabalho que a gente vai chegar lá. Porque cada um de nós é dois, então nós somos o homem que tem que trabalhar para alimentar a família, pagar o aluguel, educar os meninos etc., e aí a gente se subordina ao comando de quem produz o emprego. Na medida em que o emprego deixa de existir, deixa de ser permanente, deixa de ser suficiente, e na medida em que eu começo a descobrir o mundo e vejo que as coisas se passam mais ou menos igualmente por toda parte,...

GG - Cá embaixo.

MS - Eu creio que algo está se gestando com a dificuldade, de um lado de uma quantificação, de entendimento codificado, porque contraria todas as teorias e práticas vigentes nesses séculos todos, que nós adoramos, e de outro a dificuldade de transcrever isso na política, que deixou de existir.

GG - Como é que o sistema que trabalha para manter esses instrumentos de controle de verticalidade etc, etc. como é que ele vai sustentar o fato de que é ele próprio que provoca cada vez mais a aglutinação do pensamento oposto? Esse é o paradoxo moderno que me interessa profundamente, o sistema ele precisa de otimização, ele precisa cada vez mais de mercado, ele precisa cada vez mais de ampliações, ele precisa outorgar a massa, ao povo, a condição: seja a cidadania, seja renda, seja acessos a conhecimentos, tecnologias etc, etc, etc.. Como é que ele se sustenta então, se na verdade o que ele faz é alimentar o inimigo?

MS - E há uma outra coisa que eu queria incluir na nossa conversa, é que pela primeira vez na história da modernidade o homem é o senhor da técnica, coisa que ele nunca foi, durante o tempo da chamada natureza que sempre foi hostil ao homem. O homem não mandava em nada pois as suas descobertas eram subordinadas as condições ambientais, hoje é que o homem começa a ser autônomo.

GG - Criou suas segundas, terceiras, quartas naturezas. Próximas, intocáveis por eles.

MS - Hoje, a "natureza" cada vez mais se retira, este desencantamento do mundo, que a globalização acelerou, criando cada vez mais diversidades baseadas no artificio de que as cidades são exemplo e permitindo uma fluidez fundada em pontos do planeta devidamente equipados e produzindo relações verticaisÉSó que paralelamente haveria de se descobrir como utilizar essa diversidade: os ecologistas falam de biodiversidade, e eu estou chamando a cidade grande de o lugar da sociodiversidade, quero dizer quanto mais sociodiversidade mais riqueza.

GG - Sociodiversidade, vários microorganismos em interatividades.

MS - Em profissões, em formas de trabalho.

GG- Sociais, operacionais, técnicos, vivenciais etc..

MS - O dia em que descobrirmos a fórmula de potencializar as relações, porque é isso que cria a riqueza. A grande riqueza hoje é gente, é o homem. A partir das novas tecnologias, esse poder do homem aumenta, só que atualmente, se privilegia sempre a tecnologia mais recente, que não é necessária para o bem estar da maior parte da população. Então o acesso fica cada vez mais limitado.

GG - Vou dar um saltozinho, mas está nisso tudo -- e a reforma agrária? O senhor falava em algum momento na tendência para a reunião, muito ao contrário do que almeja a reforma, no sentido idílico de reforma agrária que é a divisão tranquila, equânime da terra etc, etc.. Como o senhor vê isso hoje?

MS - Eu acho uma coisa muito difícil de falar no Brasil.

GG - Porque o politicamente correto exige por um lado...

MS - Mas uma análise digamos fria, não descomprometida, leva a pensar que a reforma agrária é uma herança romântica. Corresponde ao mundo que não existe mais, que no Brasil ainda se justifica porque tem muito analfabeto no campo.

GG - Quando o senhor diz que ainda se justifica, significa que no Brasil ainda é possível pensar de alguma maneira na reforma agrária para alguns setores, num sentido parcial, numa escala menor, que dure o que possa durar?

MS - Exato. Mas parte da esquerda, e entre meus colegas e meus alunos, alguns ficaram zangados, porque há toda uma forma de pensar obediente ao politicamente correto, á necessidade de slogans...

GG - Então esse mito da reforma agrária, tal como ele vem sendo sustentado até aqui, não tem futuro.

MS - Ele tem que ser revisto se a gente quer tratar a questão seriamente, porque o mundo de hoje é o mundo da circulação, não é o da produção. Antigamente a produção se servia da circulação, hoje é o contrário: é a circulação que decide da produção. Por conseguinte é pouco entregar terras. A fixação na terra é ilusória porque não resolve realmente o problema. Quem ainda encontra solução são as cooperativas, que já são uma tendência à conservação. A reforma agrária também é um fator de modernização, então ela vai acelerar uma série de outros processos modernizadores que levarão à sua desagregação também. O que é que, a médio prazo, nós queremos no país? Dar comida a todo mundo, dar emprego a todo mundo, melhorar o nível de vida das pessoas. Não é obrigatóriamente reforma agrária.

GG - Com a fixação obrigatória da família àquele pedaço, e à determinadas tecnologias que devem permanecer por toda vida, e coisas desse tipo. Porque a pequena gleba, de uma certa forma, nesse sentido clássico, acaba levando a isso.

MS - É um obstáculo à inserção no progresso técnico e mesmo no progresso organizacional.

GG - Agora como se explica por exemplo o fenômeno dos sem-terra, o fenômeno ambulante, o fenômeno político nesse sentido. Essa circulação dos sem-terra, que aparecem dos vários lugares, que se multiplicam, que se organizam, que se submetem aqui e ali as manipulações de outros interesses; o que é esse fenômeno dos sem-terra?

MS - Na realidade, eu não os estudei de perto.

GG - Eu sei, mas a sua percepção à distância...

MS - É uma forma dessa mobilidade atual dentro do mundo, favorecida por uma vontade política, legítima, porque eu creio que os sem-terra constituem uma boa coisa no Brasil, são os únicos que ainda podem protestar, os outros brasileiros tem dificuldades de protestar por causa da relação de emprego.

GG - Patronal. (risos)

MS - Eles são como se tivessem procuração do resto do país para protestar. Daí a simpatia. Vejo muita gente que não está de acordo com eles mas tem simpatia porque eles fazem por nós o trabalho de protesto. Mas eu não creio que a reforma agrária como colocada romanticamente, tenha muito futuro não, porque...

GG - O objeto da questão que está por trás, a terra, o pedaço de terra que é o objeto da conquista, é uma coisa que também não tem futuro.

MS - O que é curioso é que na Europa, o vigente no momento atual é a concentração das terras ou o convite a plantar menos, ou mesmo a não plantar. Mas os Estados, preocupados com a segurança nacional, estimulam a permanência de uma certa quantidade de produção. Cada país quer ter a sua produção nacional estratégica. No Brasil, onde essa idéia de nação esta sendo rapidamente assassinada pelo aparelho do Estado, donde aparece como extremamente contraditório, porque nós produzimos para vender e aceitamos tranquilamente comprar maciçamente também quando a ocasião se apresenta; então essa idéia de relação obrigatória, entre um dado homem, e um dado pedaço de terra me parece ter muito pouca esperança. Tudo desemboca nas cidades. Há cidades que são chamadas de inchadas, não sei até que ponto são realmente inchadas, não sei até que ponto há uma saturação real ou não, mas aparecem como um problema essas cidades. Depois os mais baixos salários hoje tendem a ser urbanos, não são rurais. De modo que o mito da cidade não aparece mais como aquele eldorado que era ...

GG - Há 30, 50 anos atrás.

MS - Há 50 anos atrás. A tendência da agricultura é rapidamente se mecanizar, se capitalizar. O campo aceita mais rapidamente o capital novo do que a cidade. O campo é mais receptivo, permeável ao grande capital, então rapidamente as famílias vão se estabelecer e vão descobrir que não tem muita chance. Exceto se se incluirem em um processo centralizador, como no caso dos frangos etc., onde o pequeno produtor está ali, mas é verticalmente obediente até nos processos, do cotidiano da produção.

GG - Planejamento da cidade, da indústria do capital.

MS - Do grande capital. Então manter essa ilusão da reforma agrária como solução me parece inadequada.

GG - Eu tinha esse sentimento.

MS - Pensando no atual mais do que no futuro. Pensar hoje centenas e milhares de pessoas.

GG - Por isso que eu coloquei a questão do sem-terra. A terra e o sem-terra, mas os sem-terras são a circulação. Há uma certa demanda reprimida que precisa ser satisfeita. É preciso dar um pouco de reforma agrária.

MS - E se tornou uma frase política, respeitada até pelas direitas.

GG - Muito mais por eles do quem quer que seja. (risos)

MS - Só a extrema direita é que ...

GG - Rejeita.

MS - Mas todo mundo quer a reforma agrária, então não há mal nenhum. Você divide a terra mas não tem que entregar daqui a pouco. O politicamente correto.

GG - Professor, uma última coisa, dentro desse conjunto de variáveis; população, é um tema de recente popularidade com o tal Summit internacional que houve agora promovido pelos grandes organismos internacionais, essa coisa da explosão demográfica.

MS - Não me assusta a explosão demográfica.

GG - O senhor duvidava um pouco do inchaço da cidade.

MS - Não me assusta. São Paulo cresceu enriquecendo todo mundo.

GG - O senhor acha que o grande capital do futuro é gente?

MS - Eu creio que é isso mesmo: gente.

GG - A fase popular da história quer dizer também isso.

MS - Mais gente. E haverá um processo de acomodação.

GG - A taxa de crescimento brasileiro esta caindo.

MS - Baixou muito.

GG - É um dado da fase popular da história, tem que ter gente.

MS - Tem que ter gente, é o que dá a possibilidade da efervescência.

GG - Encher os estádios de futebol. (risos)

MS - E também as casas de diversões. Quanto mais cheias, melhor.

GG - Muito obrigado, professor.

Fonte: http://www.gilbertogil.com.br/sec_texto.php?id=12&language_id=1&id_type=4

28/06/2011

Milton Santos é lembrado no Congresso Nacional

Deputados ressaltam crítica de Milton Santos à globalização econômica
Luiz Cruvinel

Deputados ressaltaram nesta terça-feira a postura crítica do geógrafo Milton Santos ao modelo exclusivamente econômico de globalização. A avaliação foi feita durante sessão solene, solicitada pelo deputado Luiz Alberto (PT-BA), em homenagem ao intelectual baiano, morto em 2001.
Para o autor do requerimento, Santos foi um crítico feroz da visão apenas financeira do mundo. “Milton Santos transformou a geografia e se preocupava principalmente com as cidades desiguais. Ele criticou fortemente a globalização excludente.” Na opinião de Luiz Alberto, o intelectual permanece um “farol” para os que combatem as desigualdades.
O presidente da Câmara, Marco Maia, em carta lida pelo deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), ressaltou a originalidade da crítica de Milton Santos. “Ele dissecou a globalização muitos antes desse conceito ser discutido”, afirmou.
Segundo o deputado Edson Silva (PSB-CE), o geógrafo foi pioneiro na análise crítica da globalização e das suas consequências desiguais em grande parcela da população.
O deputado Amauri Teixeira (PT-BA) lembrou que o geógrafo, “maior crítico da globalização”, morreu no auge desse processo. “A globalização era apenas financeira e não favorecia a maioria dos povos, principalmente os mais pobres e oprimidos”, disse.
Intelectual negro
A ministra Luiza Bairros, secretária de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, exaltou a importância de Milton Santos na superação do preconceito e por ter se destacado como intelectual em todo o mundo. Ela criticou o preconceito de quem ainda considera a expressão “intelectual negro” como uma contradição.
“A importância de Milton Santos ultrapassou fronteiras, construiu uma trajetória ímpar entre os netos de africanos escravizados no Brasil”, afirmou ainda o deputado Luiz Alberto.
Prêmio mundial
Milton Santos recebeu o Prêmio Vautrin Lud, conferido por universidades de 50 países e considerado a principal premiação mundial no campo da geografia. Ele viveu exilado de 1964 a 1977, período em que lecionou em universidades da Europa, África, América Latina e Estados Unidos.
Apesar de ter se graduado em direito, Milton destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo. Sua obra “O espaço dividido”, de 1979, desenvolve uma teoria sobre o desenvolvimento urbano nos países subdesenvolvidos e é considerado um clássico mundial. Recebeu 18 títulos de doutor honoris causa e teve mais de 40 livros publicados.
Reportagem – Tiago Miranda
Edição – Ralph Machado

A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara de Notícias'

24/06/2011

O BRASIL PODE TER MAIS DOIS ESTADOS

Câmara aprova plebiscito sobre divisão do Pará

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou QUINTA-FEIRA (5) a realização dos plebiscitos para decidir sobre a criação dos Estados de Tapajós e Carajás. As duas propostas foram colocadas em pauta durante a realização de uma sessão deliberativa, que não precisa contar com os votos individuais dos deputados. Apenas representantes das lideranças dos partidos que compõem a casa votaram, definindo os votos de todas as bancadas.
Os deputados paraenses Giovanni Queiroz (PDT), Lira Maia (DEM) e Zequinha Marinho (PSC) encaminharam os votos em nome dos partidos que representam. Os parlamentares paraenses ausentes à sessão foram: Arnaldo Jordy (PPS), José Priante (PMDB) e André Dias (PSDB). Os demais registraram suas presenças na sessão - onde foram votadas outras propostas -, mas nem todos se mantiveram em plenário ao longo da votação.
O texto do Projeto de Decreto Legislativo 731/2000, que trata do plebiscito do Tapajós, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), vai voltar para ratificação do plenário do Senado, já que houve mudança no texto original. A proposta sobre o Carajás já vai direto para promulgação da presidente Dilma Rousseff.
Nas duas propostas aprovadas foi inserido um item que estabelece o prazo de seis meses após a aprovação dos projetos para a realização dos plebiscitos, que devem ser realizados em um único dia.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá realizar o plebiscito. O deputado Giovanni Queiroz (PA) informou que foram aprovadas emendas ao Orçamento da União que permitem a realização da consulta pública. O valor total do processo deverá ultrapassar R$ 8,5 milhões.

QUESTIONAMENTOS

Durante a votação em plenário, somente o líder do PSol, deputado Chico Alencar (RJ), encaminhou voto contra de sua bancada. “Minha posição era de que o presidente Marco Maia não colocasse a matéria (plebiscitos) em pauta nesta sessão, dada a debilidade legislativa das reuniões de quinta-feira”, protestou o deputado. De acordo com Alencar, o voto simbólico das sessões deliberativas das quintas-feiras não pode representar a manifestação dos votos de cada parlamentar em sua plenitude.
A deputada Elcione Barbalho (PMDB) também declarou que a votação de projetos tão importantes para o futuro do Pará deveria ser nominal, e não simbólica. “Sempre disse que sou favorável ao plebiscito para que o povo tenha o direito democrático de decidir. Mas não posso concordar com a divisão. Acho que deveríamos integrar e não separar”.

PESQUISA

Uma pesquisa realizada em outubro do ano passado mostrou que mais de 90% da população do oeste do Pará apoiam a criação do Tapajós. A mesma pesquisa, coordenada pela UFPA, também comprovou que mais de 60% dos eleitores do sul e sudeste do Estado apoiam Carajás. Segundo o último censo divulgado pelo IBGE, o Pará tem 7,5 milhões de habitantes, sendo que 2,5 milhões residem na região metropolitana.
De acordo com o projeto, o novo Estado do Tapajós teria 27 municípios, ocupando 58% da área atual do Pará, na região oeste, e uma população de 1,3 milhão de habitantes. A proposta tramita há mais de 10 anos no Congresso.
Já o Estado de Carajás teria 39 municípios, no sul e sudeste do Pará, com área equivalente a 25% do território atual do Pará e uma população de 1,6 milhão. Se a divisão for aprovada, o Pará ficaria com 4,6 milhões de habitantes e 86 municípios.

Políticos darão entrevista coletiva sobre o plebiscito

Às 10h desta sexta-feira (6), na Câmara de Santarém, acontece uma entrevista coletiva com a presença de diversos políticos da região para falar sobre os planos a partir da aprovação do plebiscito para consulta sobre a criação do Estado do Tapajós. Estarão juntos representantes do governo municipal e da oposição, dentre eles a prefeita Maria do Carmo e o deputado federal Lira Maia, assim como outras personalidades que estiveram ontem em Brasília acompanhando o processo de aprovação da matéria.
Ontem (5), a sessão da Câmara dos Deputados que tinha na pauta o PDC 731/00, que trata do plebiscito para a criação do Estado de Tapajós, foi acompanhada por veículos de comunicação da cidade. Logo após a aprovação, o secretário de Governo de Santarém, Inácio Correa, ligou para as rádios, falando do assunto. Ele não soube informar os próximos passos do projeto em Brasília, mas disse que se sentia muito alegre por acompanhar esse momento histórico, representando a prefeita Maria do Carmo.
Enquanto isso, o deputado Lira Maia também telefonava para os veículos de comunicação da cidade, dando a notícia. Nas ruas, muita gente passou a comentar o assunto. Algumas pessoas nem tinham ideia do significado da votação.
Ivete Locatelli, servidora pública municipal de Placas, disse que ainda não havia ouvido falar sobre “esse negócio de Estado do Tapajós”. De acordo com ela, na cidade de Placas não existe nenhum movimento que trabalhe com a conscientização do povo sobre esse projeto.
Através da assessoria de imprensa da Prefeitura, no final da tarde o secretário Inácio Correa garantiu que a articulação do ex-deputado federal Paulo Rocha foi fundamental no processo de aprovação do plebiscito, pois ele que “assegurou que o projeto fosse incluído e votado na pauta de hoje (ontem). Estamos muito felizes enquanto governo, pois vimos ser respeitada a vontade da população do oeste do Pará, em poder decidir e opinar pelo que se quer e se acredita, através do plebiscito”, declarou Inácio.
A ideia de criar um novo Estado, o Tapajós, repercutiu de forma muito positiva entre os altamirenses. O vereador Djalma Mineiro, ex-presidente da Câmara Municipal, e que antes era contrário ao projeto, hoje se mostra grande apoiador. “Eu me orgulho de ter ajudado neste processo de votação. Todos vamos ganhar com isso. Agora está nas mãos do povo a decisão”.
O agricultor José Benedito de Souza, que há mais de 40 anos vive na região, diz que a criação de um novo Estado vai trazer benefícios que até hoje ninguém viu nesta região do Pará. “O Pará é grande, e porque é grande, fica ingovernável. A gente tá cansado de ser esquecido”.
Entre os movimentos sociais existe uma certa expectativa. Para Marcelo Dias, é positivo o plebiscito porque é uma forma de conhecer a opinião pública sobre o tema. Para ele, a ideia de criação de um novo Estado é muito negativa. “Já estamos na situação que estamos, de um lado floresta, do outro a margem de um grande lago”, referindo-se à construção da barragem de Belo Monte. “Pra onde é que a gente vai crescer?”, indagou o líder sindical.
Enquanto isso, os prefeitos da região do Xingu são unânimes a favor da criação do novo Estado.
Para a prefeita de Altamira, Odileida Sampaio, o projeto vai melhorar bastante as condições econômicas e sociais da região. O prefeito de Pacajá, Padre Edimir, destacou que o novo Estado trará grandes transformações sociais, juntamente com o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Bergue Campos, de Porto de Moz, acredita que isso vai ser muito bom para a região esquecida pelo poder público.
Um dos blogs de notícias mais acessados de Santarém, o Blog do Jeso, recebeu número recorde de comentários nas postagens que fez ontem, sobre a aprovação do plebiscito pela criação do Estado do Tapajós. O Facebook foi outro espaço que suscitou inúmeras discussões dos internautas.
Nos textos, as manifestações de apoio, alegria e críticas aos políticos que já estão se aproveitando do fato para fazer o nome. A grande maioria, dentre os que se manifestaram, deu apoio ao projeto, alertando que agora o mais difícil dessa luta será conseguir a aprovação do eleitorado.
“Com a criação do Estado do Tapajós, o poder estará mais próximo da população. Teremos grandes ganhos políticos e econômicos como a criação de muitos empregos na máquina pública e na iniciativa privada”, disse João Evangellista Sousa da Fonseca, de Monte Alegre, município localizado na margem esquerda do rio Amazonas.
Tereza Correa, que mora no Rio de Janeiro, escreveu: “Eu e minha família apoiamos a criação do Estado do Tapajós. Santarém tem que ser capital independente de Belém. Moro há 20 anos no Rio de Janeiro e trabalho em turismo. Aqui, 99% das pessoas não conhecem, aliás nem sabem se existe Santarém e Alter do Chão (que é o nosso Caribe brasileiro). Apoiamos o Estado do Tapajós e estamos à disposição para o que der e vier”.
Roberto Pena, que mora em Formosa, Goiás, destacou: “Que seja bem-vindo o Estado do Tapajós. O Pará é muito grande, o que inviabiliza a presença do Estado (governo) nos lugares mais distantes. Deve mesmo ser dividido”.
Vinte e sete municípios deverão fazer parte da futura unidade da Federação, na região oeste, com uma população total de 1,1 milhão de habitantes, com área territorial de 718.138. São eles: Alenquer, Almeirim, Altamira, Aveiro, Belterra, Brasil Novo, Curuá, Faro, Itaituba, Jacareacanga, Juruti, Medicilândia, Mojuí dos Campos, Monte Alegre, Novo Progresso, Óbidos, Oriximiná, Placas, Porto de Moz, Prainha, Rurópolis, Santarém, Sousel, Terra Santa, Trairão, Uruará e Vitória do Xingu.

Deputados separatistas comemoram
Os que defendem a divisão do Estado comemoraram. Para o deputado federal Giovanni Queiroz (PDT/PA), foi gratificante aprovar a proposta em plenário. “É um esforço que representa a vontade do povo. A cobrança da população do Pará tem sido enorme”. Segundo ele, a criação de dois estados - Mato Grosso do Sul e Tocantins - é a prova de que a divisão permite o desenvolvimento de regiões muito pobres dentro de um Estado. “Carajás e Tapajós têm potencial, mas predomina nestas regiões a ausência de Estado”.
Quem também comemorou foi Lira Maia (DEM), representante da região do Tapajós. “São milhares de brasileiros mobilizados para que nós possamos fazer um plebiscito, ouvir a população, o que é absolutamente legítimo. Isso é princípio constitucional”.
Para Wandenkolk Gonçalves (PSDB), a aprovação é boa para o país. “Nós podemos avançar na questão da descentralização administrativa. A própria Constituição prega a possibilidade concreta do desenvolvimento regional. E o caminho mais curto para o desenvolvimento é a criação de novas entidades federativas, principalmente de Estados”.
Ao final da votação, a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), primeira vice-presidente da Câmara, que conduziu a votação, parabenizou os deputados que defendem a divisão do Estado. (LM)
Expectativa em 39 municípios

A notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou projeto para realização do plebiscito para criação do Estado de Carajás repercutiu nos 39 municípios que deverão compor a nova unidade da federação, caso a maioria da população vote pela separação das regiões sul e sudeste do restante do Pará.
Depois de aproximadamente 20 anos de mobilização pela aprovação do plebiscito, políticos que encamparam a luta comemoram a conquista, considerando-a uma porta para a criação do Estado de Carajás.
Cerca de 500 quilômetros da capital, um dos argumentos dos favoráveis ao novo Estado é que esta distância sempre impediu a chegada de políticas públicas para desenvolver a região e propiciar a melhora da qualidade de vida das pessoas.
As regiões sul e sudeste do Pará possuem três fortes pilares econômicos. Uma é a agropecuária. Com cerca de 20 milhões de cabeças de gado não impressiona apenas pela quantidade, mas também melhor qualidade genética nos animais, considerada a melhor do país.
A atividade madeireira, que sempre foi intensa e depois passou por crise em função da nova realidade ambiental, agora passa por reestruturação, fazendo investimentos em reflorestamento para se adequar às leis e se autossustentar para atender também o mercado exterior. O potencial mineral, que há mais de 20 anos trouxe uma nova cara para o mercado regional, começa a galgar no caminho da verticalização.
ECONOMIA

Marabá tem um distrito industrial com dez siderúrgicas de ferro-gusa implantadas e com a chegada da Sinobras, uma usina integrada, o município passou a produzir e exportar produtos, como o vergalhão. Agora, a população vive a concretização da Aços Laminados do Pará (Alpa), pela mineradora Vale, que também propiciará a criação de um polo metal mecânico no município.
Somados a esses potenciais, a região ainda tem a hidrelétrica e eclusas de Tucuruí, os rios Araguaia e Tocantins, Serra dos Carajás (maior província mineral do mundo), além de outros projetos minerais que a mineradora Vale possui na região.
LOCALIZAÇÃO

O movimento separatista baseia-se muito nas experiências do Goiás e Mato Grosso, que conseguiram progredir socioeconomicamente, segundo Josenir Gonçalves Nascimento, secretário executivo da Associação dos Municípios do Araguaia, Tocantins e Carajás.
“A criação de um novo Estado é benéfica tanto para quem se emancipou quanto para quem vive no Estado-mãe. Como o Goiás que aproveita hoje muito mais os seus recursos por não ser mais responsável pela região onde foi criado o Tocantins. Por outro lado, o Tocantins tinha somente 4% do PIB do Estado do Goiás e hoje o Tocantins tem cerca de 40%, se juntar os dois”, pontua Josenir.
Outro ponto positivo elencado pela Amat com a criação do Estado de Carajás é que a região amazônica teria maior representatividade política no cenário nacional. “O Pará, sendo dividido em três unidades federativas, terá mais força política. Na verdade, se trata de uma soma benéfica para todos, já que a criação de mais Estados significa mais cobrança política para a região” destaca Josenir.

É preciso esclarecer, diz Jatene

O governador Simão Jatene acompanha com o máximo interesse os desdobramentos da proposta de desmembramento do Pará, para criação dos Estados de Carajás e Tapajós.
Segundo a Secretaria de Comunicação do Governo (Secom), Simão Jatene é totalmente favorável ao recurso do plebiscito, mas adverte que a consulta à população por si só não encerra o assunto e nem contempla o processo democrático de forma integral.
Para o governador, deve ser feita uma ampla campanha destinada a esclarecer a população sobre as ameaças e oportunidades da divisão do Estado. “A população deve ter total clareza do que vai escolher e suas reais consequências”, ressalta Jatene.
O governador também não admite que o plebiscito esteja associado a qualquer tipo de processo eleitoral, para que esse expediente não seja contaminado por outros interesses. No caso de Carajás, será promulgado um decreto legislativo e o plebiscito terá de ser feito no prazo de seis meses.

PROJETO

O projeto que prevê um plebiscito sobre a criação do Estado do Tapajós ainda voltará ao Senado. Neste tempo, acredita o governador Simão Jatene, é necessário um esforço pelo esclarecimento das populações envolvidas acerca dos benefícios ou prejuízos que podem advir deste processo.
“A população deve ser protagonista e não coadjuvante diante de uma decisão desse porte. Para isso, precisa ser devidamente informada sobre todos os ângulos possíveis”, reitera Jatene.
Procurado pelo DIÁRIO, o chefe da Casa Civil do governo, Zenaldo Coutinho, preferiu não dar entrevista, mas reforçou, por sua assessoria, que continua contra o processo de divisão do Pará. (com informações da Agência Pará)

NÚMEROS

90% da população do oeste do Pará apoia a criação do Estado do Tapajós, segundo pesquisa realizada pela UFPA em 2010.

60% dos eleitores do sul e sudeste do Pará apoiam a criação do Estado do Carajás.

66 municípios deixarão de fazer parte do Pará caso os dois novos estados sejam criados.
24% do território paraense ou 951.085,80 km² do território do Pará seriam absorvidos pelo Estado de Carajás.
http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-132306-CAMARA+APROVA++PLEBISCITO+SOBRE+DIVISAO+DO+PARA.html


RIO SÃO FRANCISCO

 

O Velho Chico

O rio São Francisco caminha para o mar, irriga a terra árida e realiza um verdadeiro milagre de São Francisco: dá vida ao sertão.



O rio São Francisco tem 2,7 mil quilômetros de extensão e corta cinco estados brasileiros: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Desde sua nascente em São Roque de Minas (MG), em local conhecido como “Chapadão do Zagaia”, até sua foz no Oceano Atlântico, na divisa entre Sergipe e Alagoas, são mais de 500 municípios banhados pela bacia, onde vivem 14 milhões de habitantes, população maior que a de países como Cuba, Suécia, Chile, Grécia e Paraguai. O Velho Chico foi descoberto por Américo Vespúcio. Em suas margens pernambucanas formou o primeiro povoamento que usaria suas águas como fonte de vida.
O rio São Francisco caminha para o mar, irriga a terra árida e realiza um verdadeiro milagre de São Francisco: dá vida ao sertão. Alguns olhos-d'água escondidos pela vegetação baixa e ressecada do Chapadão da Zagaia, Serra da Canastra, Minas Gerais, geram um dos maiores rios do Brasil, cerca de 640 mil quilômetros quadrados, que ocupa 8% do território brasileiro, o rio da unidade nacional, o Velho Chico. Mais que um rio, o Velho Chico é um fato cultural, como o Velho Nilo, seu irmão africano - a medida é outra, mas o sentido é o mesmo.

Nascente

O rio São Francisco nasce num brejo da Serra da Canastra, a cerca de mil metros de altura, logo ao deixar a serra despenca 200 metros na cachoeira Casca d'Anta, desce em degraus e, entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA), flui suavemente, permitindo que barcos de todos os tamanhos naveguem suas águas. Era esse o trecho percorrido até pouco tempo pelas famosas gaiolas. Hoje, o Parque Nacional da Serra da Canastra preserva a nascente do grande rio, guarda vales de excepcional beleza, florestas nativas, campos e, para arrematar, tamanduás, tatus-canastra e lontras, ao vivo, em cores e sem grades. 

Foz

Após despencar 80 metros na cachoeira de Paulo Afonso, o rio São Francisco corre manso mais 310 quilômetros e por fim encontra o mar. É o maior rio inteiramente brasileiro. O Velho Chico deságua numa costa lisa, entre coqueirais e manguezais, dunas e praias douradas.

Características Físicas:
  •  Declividade média: 8,8cm/km
  •  Média das vazões na foz: 2.943m3/seg.
  •  Tipo de foz: Estuário
  •  Velocidade média de corrente: 0,8m/seg (entre Pirapora-MG e Juazeiro-BA)
  •  Sentido da corrente: Sul/ Norte
Principais Afluentes: 
  • Rio Paraopeba
  • Rio Paracatu
  • Rio Abaet
  • Rio Verde Grande
  • Rio das Velhas
  • Rio Carinhanha
  • Rio Jequita
  • Rio Corrente
  • Rio Urucuia
  • Rio Grande
Hoje, o estado de degradação em que o rio se encontra é um retrato de como o país vem administrando seus recursos naturais. Dentre os principais agentes poluidores do São Francisco destacam-se as ações desordenadas de mineradoras, a erosão do solo, o uso indiscriminado de agrotóxicos. Mas o grande vilão é a região metropolitana de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, que polui seu maior afluente, o Rio das Velhas.
O rio São Francisco é vítima do desmatamento e queimadas desde a sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, da poluição na forma de agrotóxicos, esgotos domésticos e industriais, além do desvio de água cada vez maior para projetos de irrigação mal elaborados, o Velho Chico a cada ano tem diminuído perigosamente o seu volume de água e a navegação já não se faz em determinados trechos e em determinadas épocas.
O rio é vítima do desprezo e da irresponsabilidade de sucessivos governantes, seja a nível federal ou estadual, insensíveis e incapazes da adoção de medidas para impedir a sua morte lenta. As derrubadas e queimadas de árvores, seja na nascente ou ao longo do seu percurso, estão cada vez maiores. As cidades ribeirinhas (mais de 150) não têm sistema de tratamento de esgoto e as indústrias idem, despejando toda sujeira no seu leito. Agricultores, uns sem escrúpulos, outros por falta de orientação, usam e abusam de agrotóxicos em plantações nas margens do rio e esse veneno também é conduzido para o Velho Chico.
O desmatamento, além de contribuir para secas constantes nas nascentes do São Francisco e de seus afluentes, provoca a queda de barrancas e, conseqüentemente, o assoreamento do rio (acúmulo de terra no leito). O resultado disso é o perigo e dificuldade de navegação, pois muitas ilhas já estão formadas em seu percurso.

Lendas e Mitos

Para espantar mau olhado, espírito presepeiro, mal-assombro e pescaria ruim: caretas. Na base do quanto mais feia melhor, o nome oficial é carranca. Na proa, esculpidas em madeira, um rosto assustador, são monstros temíveis cuja função é botar pra correr os mitos originários e residentes no São Francisco, como a Mãe-d'água e o Minhocão. De sobra, no passado, susto também para os indesejáveis jacarés, hoje extintos. Em algumas partes, as figuras de proa eram chamadas também de cara de pau ou leão de barca.
O personagem Negro d'Água, sai das águas para pedir fumo, e a Mãe d'Água, amiga das lavadeiras que adora presentes, já fazem parte da cultura local.
Há muito tempo, lá na Serra da Canastra, existia uma grande tribo indígena, em que vivia uma linda cabloca chamada Iati. Com o início de uma grande guerra no norte, todas as tribos do sul foram convocadas e o noivo de Iati partiu entre os guerreiros. Mas eles estavam em número tão grande que seus passos afundaram no sulco do Cerrado. Iati, triste e desolada, chorou copiosamente até os últimos dias de sua vida. Suas lágrimas desesperadas formaram a Cachoeira de Casca Dantas e seguiram o sulco afundando pelos passos dos guerreiros, formando o Rio São Francisco.

Fonte parcial: Governo de Minas Gerais

http://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/artigos_agua_doce/o_velho_chico.html

Para comprovar tudo isso e mais ainda a ocupação imobiliária desordenada entre as cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), os alunos da Escola Dr. Pacífico R. da Luz produziram um vídeo que denuncia a poluição por esgotos a céu aberto.

http://www.youtube.com/watch?v=6lile26atYs

21/06/2011

Geografia crítica

A geografia crítica, também chamada geocrítica, é uma corrente que propõe romper com a ideia de neutralidade científica para fazer da geografia uma ciência apta a elaborar uma crítica radical à sociedade capitalista pelo estudo do espaço e das formas de apropriação da natureza. Nesse sentido, enfatiza a necessidade de engajamento político dos geógrafos e defende a diminuição das disparidades sócio-econômicas e regionais.
Essa corrente nasceu na França, em 1970, e depois na Alemanha, Brasil, Itália, Espanha, Suíça, México e outros países. A expressão foi criada na obra "A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra", de Yves Lacoste. A produção geográfica anterior a esta época pregava a neutralidade e excluía os problemas sociais, devido à concepção de que tais temas não eram geográficos. Nesse sentido, a geocrítica significou, principalmente, uma aproximação com movimentos sociais cujos discursos, práticas e reivindicações tenham um conteúdo político e ideológico de esquerda.
Diversos fatores influenciaram esta nova corrente na geografia: os protestos contra a guerra do Vietnã, a expansão do movimento feminista, a conturbação civil nos Estados Unidos, os movimentos estudantis em maio de 1968 na França, a crise do marxismo e o ecologismo. A geografia crítica também procurou se aproximar de várias escolas de pensamento inovador, como a Teoria crítica (corrente defendida pelos estudiosos da Escola de Frankfurt), com o anarquismo, com Michel Foucault, com o pós-modernismo e e alguns pensadores do marxismo, como Gramsci, pensador que valorizou o aspecto territorial.
A geografia crítica possui uma proximidade com a geografia radical, que surgiu na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos como uma reação ao quantitativismo, ou chamada geografia pragmática, que utilizava a geografia como seguimento da ideologia do poder, como o estado capitalista e as empresas. A geografia radical procurou se estreitar aos movimentos sociais e ao marxismo, o que difere da geografia crítica, que se opôs ao socialismo real e ao marxismo real, procurando estabelecer uma proposta pluralista e aberta, dialogando com diversas correntes.
A corrente crítica defendia também a mudança do ensino da geografia nas escolas, ao estabelecer uma educação que estimulasse a inteligência e o espírito crítico, ao contrário da memorização de conceitos. Isso, porém, não justifica a ideia de que não havia trabalhos de pesquisa de qualidade e com preocupações teóricas no âmbito da geografia tradicional, como muitas vezes se pensa. De outro lado, a perspectiva crítica esbarrava na geografia pragmática. O desenvolvimento econômico e o contato com a revolução tecnológica, os direitos humanos e a globalização são alguns fatores que influenciaram essa nova postura.
Essa corrente ganhou mais força na Alemanha, Espanha, França e Brasil, com um grande movimento de renovação da geografia na década de 80. Os Estados Unidos se inspiraram na experiência desses países para estabelecer uma nova orientação educacional a partir da década de 90 do século XX, principalmente com temas sobre as relações de gênero, a orientação sexual, o preconceito cultural e étnico e as desigualdades ao nível inter-regional e internacional.
No Brasil, há uma polêmica sobre a origem da geografia crítica, pois, enquanto alguns autores afirmam que essa corrente teve início na universidade, com alguns trabalhos de pesquisa inovadores produzidos nos anos 1970, outros asseguram que sua origem se deu no ensino médio e fundamental, graças ao esforço de pesquisa realizado por professores insatisfeitos com a geografia escolar até então praticada. Segundo essa última visão, foi somente quando alguns desses professores de ensino médio e fundamental entraram em cursos de pós-graduação e tornaram-se professores universitários que a geografia crítica foi "oficializada" na academia. O nome mais reconhecido da geografia crítica brasileira é Milton Santos.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

20/06/2011

Dez anos sem Milton Santos, por Silvio Tendler



Dez anos sem Milton Santos